Didú Russo é uma das pessoas mais autênticas e honestas no mundo do vinho. Sua figura é conhecida por todos envolvidos nesse universo. Defensor e incentivador do vinho brasileiro, também nutre enorme interesse pelos vinhos naturais, orgânicos e biodinâmicos. Divido com ele o gosto por vários exemplares de difícil compreensão do grande público assim como seu entusiasmo pelo vinho. Confiram essa entrevista dada por ele ao portal UOL. Parbéns meu amigo!
Quase diariamente, até três vezes por dia, ele participa de algum evento em que experimenta ao menos um vinho diferente. Eduardo Granja Russo, o Didú Russo, como é conhecido, é degustador profissional de vinhos.
O ex-publicitário, que atuou em diversos veículos de comunicação do país, transformou o hobby em carreira há cerca de duas décadas. Hoje, mantém um sitecom seu nome e dá palestras sobre o assunto, além de ser constantemente convidado por produtores e importadoras a avaliar rótulos novos.
Russo calcula já ter provado mais de 20 mil vinhos. “Isso é mais ou menos 1% do que existe de vinho no mundo. É angustiante saber que eu vou morrer um dia sem ter bebido nem 10%”, diz o degustador. Confira a seguir os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao UOL.
UOL – Como começou sua carreira?
Didú Russo – Um dia, trabalhando como publicitário, tive de fazer um estudo sobre o assunto. Eu já gostava de vinho, já consumia, mas nesse momento fui totalmente raptado pelo tema, que é fascinante. Lamentavelmente não há vida suficiente para conhecer tudo o que existe no mundo.
É muita coisa, muita diversidade, cultura, história, muita geografia, é muito bonito. Eu então me fascinei por isso e já estava cansado da carreira de publicitário, porque você vai ficando velho e o mercado vai sempre priorizando a juventude.
Decidi então que iria falar de vinho e viver disso. Poderia ganhar menos, mas faria só o que gostava. Escrevi livro, fiz curso, e nasceu meu site. Escrevo, sou muito convidado a degustações por produtores que vêm a São Paulo e importadores que trazem vinhos novos ao país.
Como é sua rotina de degustação?
Eu já provei mais de 20 mil vinhos. E isso é mais ou menos 1% do que existe de vinho no mundo. É angustiante saber que eu vou morrer um dia sem ter bebido nem 10%.
Eu levanto de manhã, leio os jornais, ando com os cachorros, escrevo alguma coisa no site, e aí tenho um almoço sempre com alguém que quer que eu conheça um vinho, ou alguns vinhos. À tarde é comum também haver eventos. Na hora do jantar, a mesma coisa. É muito raro um dia em que não tenha um evento. Mas não tem dinheiro aí. Ninguém está me pagando para fazer isso.
O dinheiro vem de três fontes: a mídia publicitária do meu site, palestras, e o trabalho de avaliador. Esse trabalho eu faço para alguns importadores, geralmente os pequenos, porque os grandes têm uma pessoa só para fazer isso. O pequeno importador me procura, e eu avalio o vinho para ele de forma anônima. Não permito que usem meu nome, porque não posso estar ligado a nenhuma marca. Faço a avaliação como se fosse para mim, como se eu fosse importar.
E como é a avaliação em si?
Eles me mandam uns 15 vinhos, eu boto uma música e vou tomando tudo às cegas, sem saber qual é o preço, o rótulo, não vejo nada. Vou tomando um vinho e fazendo minhas anotações. Depois descubro os vinhos, vejo a lista de preços e vou comparando o que eu avaliei com o posicionamento de custo deles, a aparência do rótulo, a apresentação e tudo o mais, e aí recomendo vinho por vinho. Escrevo: “esse vinho é legal, o preço está muito bom”; “esse aqui poderia ser mais caro, porque a qualidade é ótima”, ou “esse aqui não combina com o gosto do brasileiro”, e assim por diante.
A primeira avaliação é técnica, eu não tomo o vinho. Se eu avaliar 15 vinhos bebendo logo de cara, quando chegar ao décimo, a avaliação estará comprometida. Esse vinho vai me pegar num momento mais feliz, mais relaxado. Então a primeira prova é sempre cuspindo todos. Faço a avaliação visual, aromática e gustativa. Anoto tudo numa ficha.
Depois que descobri todos os vinhos, vou bebendo todos eles, para ver qual é mais prazeroso. Aí faço isso com mais calma, às vezes chamo amigos ou familiares, porque é bom ter uma referência leiga, e geralmente fazemos uma comida na sequência. Depois repasso tudo para chegar à conclusão do trabalho, que eu termino no dia seguinte para não escrever embriagado.
Você viaja muito?
Muito Pelo menos quatro vezes por ano viajo para o exterior. É muito bacana. Mas também não tem dinheiro aí.
Deve ser um trabalho que todo mundo acha incrível. Você diria que ele tem algum problema?
Ah, sim. Normalmente quem precisa desse meu trabalho são os importadores pequenos, novos importadores, gente que não é do ramo. Então tem o problema do choque cultural, de saber lidar com a expectativa deles.
Outro lado chato é que existe muita gente que quer se aproveitar, quer te convidar para um almoço, para um jantar, para você avaliar o vinho para ele, quando isso é uma coisa profissional. Não posso fazer em troco de um almoço ou de um jantar. O cara chega e fala “olha, estou tentando trazer esses três vinhos, o que você acha?” Isso acontece muito e tem de ter habilidade de driblar. Às vezes faço uma palestra numa empresa e vem um cara empolgado e fala: “você faria na minha casa, se eu convidar uns amigos?” Eu falo: “eu faria, mas custa caro. Eu cobro R$ 5.000 para fazer uma palestra”. A pessoa acha caro, diz que seria para poucas pessoas. Mas o conteúdo é o mesmo. Eu tive de estudar para fazer isso.
Como você faz para que seu gosto pessoal não afete suas avaliações?
Você avalia o padrão de qualidade dentro daquele tipo de vinho, partindo do nível de equilíbrio, acidez, ou seja, tem parâmetros. Para mim, é muito clara essa coisa de nicho de mercado. Hoje sou fascinado pelos vinhos biodinâmicos, vinhos naturais, que é uma categoria muito específica e exige consumidores muito traquejados e abertos a esse tipo de vinho. Mas, profissionalmente, tenho de saber separar.
Mesmo quando não está trabalhando você toma vinho?
Eu tomo vinho regularmente. Hoje vim de um evento em que degustei 25 vinhos. Não engoli esses vinhos, mas no fim de uma degustação ou outra, acabo tomando algum. Na média, acaba dando uma garrafa por dia. É muita coisa comparado com qualquer país. Em Luxemburgo ou no Vaticano, que são os países em que mais se consome vinho no mundo, as pessoas tomam 70 garrafas por ano. Eu tomo perto de 300 vinhos por ano. É muita coisa. Mas normalmente em janeiro eu tiro 15 dias para não beber nada de álcool.
Geralmente as pessoas que trabalham como degustadoras vieram de outras áreas de atuação?
Existe muito médico na área do vinho. Muitos jornalistas, advogados, todo tipo de gente. Mas existe uma categoria de profissional da área, normalmente sommelier, que fez carreira, cresceu na vida com vinho, teve formação profissional. Eu sou autodidata, aprendi degustando. Mas hoje existem cursos livres e você pode fazer uma graduação no exterior.